Joana Almeida Silva#JéssicaPergunto-me como? Como foi possível matar mais uma criança à pancada? Como foram capazes de a torturar dias a fio? Como foi possível não a socorrer? Ela tinha sido sinalizada. O meu tio António dizia ontem que "é de se ficar tolo". E é. Há uns tempos escrevi aqui que me assustava saber de tantos monstros à solta. São tantos. O que me sossega é saber que para cada monstro há muitas mais pessoas do bem, a combater e a prevenir casos destes. A presidente de uma Comissão de Menores contou-me certa vez que lhe tinham literalmente despejado três crianças pequenas à porta. Atiradas de um carro, com uma muda de roupa nos braços. Pobres inocentes. Foi aqui, bem perto do mar. Se uma sociedade - Estado, famílias, instituições - não consegue cuidar das suas crianças, não tem futuro. Agora, foi a Jéssica. Há dois anos, foi a Valentina. Não me esqueci.
Joana Almeida Silva#fogoO M. ainda não chegou aos 25. Vive no mundo bonito dos jogos e das apostas. Viaja volta e meia, mas quem o conhece sabe que a cara não mostra a alma. Sofre de ansiedade. Como, se é tão jovem? Sofre de se saber frágil. Como, se tem tudo? Parece viver no pico da existência. Não vive. A doença mental não escolhe idades. Mais uma vez, a OMS veio chamar a atenção para este problema que cresceu durante a pandemia e que afeta mais de mil milhões de pessoas em todo o mundo. O M. faz parte da estatística. Não é velho, não tem demência. É muito novo, mas tem dores da alma, aquelas para as quais se tem de investir mais, em todas as faixas etárias, porque os custos do tratamento são, como sempre, bem maiores do que os que poderiam ser aplicados na prevenção. A doença mental é uma espécie de fogo descontrolado a consumir a sociedade.
Joana Almeida Silva#bebéEram os 40 anos do 25 de Abril e quando entrei no escritório de António Arnaut disse-me que se ele era o pai do SNS, "a mãe era a Constituição". Deu-me para as mãos um molho gordo de folhas com sublinhados e anotações. "Escrevemos aqui o que é hoje o SNS". Quão ultrajante é para esse projeto maior do país saber-se de uma grávida que perdeu um bebé por haver um serviço de urgência encerrado por falta de médicos. Não pode acontecer. Não pode repetir-se. Apurem-se todas as responsabilidades. A primeira comissão para a saúde materna e neonatal foi criada nos anos 80. O pediatra Octávio Cunha, que integrou essa equipa, ajudou a delinear o plano para acabar com a trágica taxa de mortalidade infantil da época. "Hoje, é uma catástrofe quando morre uma grávida", disse-me durante uma entrevista. É também uma catástrofe quando morre um bebé.
Joana Almeida Silva#inflaçãoOiço cada vez mais conversas no metro sobre talões de supermercado. "Até pensei que se tinham enganado", "quase nem trouxe refeições". Em Portugal, a inflação está a comer mais do que algumas famílias e a outras rouba uma fatia cada vez maior do rendimento.
Joana Almeida Silva#felicidadeA felicidade é um conceito e um princípio contemporâneo. A "felicidade é epidémica", disse-me Edgar Cabanas Díaz, ao telefone, numa entrevista. É autor de um livro que compara a busca da felicidade a uma espécie de ditadura do sorriso. Temos mesmo de estar sempre felizes? Não temos. Podemos ter dúvidas, como assumiu o vocalista dos Metallica, num concerto esta semana, ou Tom Jobim e Vinicius de Moraes, ao cantarem "Tristeza não tem fim, felicidade sim". A luta pela felicidade no mundo livre tem dias, ou momentos, de glória. Mas há todo um mundo, ainda demasiado grande, cuja luta é por liberdade e igualdade. Princípios esses bem mais antigos. Em dias tão rápidos, é inútil perseguir a felicidade a cada minuto. Essa obsessão é demencial. Ser feliz deve ser um objetivo permanente, não um fim que gera frustração e angústia.
Joana Almeida Silva#médicosA existência de tantos milhares de utentes sem médico de família deve explicar parte das urgências que entopem os hospitais centrais, como o São João, no Porto, que esta semana atingiu o máximo de entradas: mais de mil num dia.
Joana Almeida Silva#gordosO P. disse que a consciência tinha sido inventada pelos ricos para controlar as massas, porque para os primeiros não haveria tal coisa. Discordei, e no dia seguinte ouvíamos falar dos lucros de petrolíferas como a Galp.
Joana Almeida Silva#extinçãoEscrevo a uma sexta-feira e talvez por isso me assalte a vontade de falar destes dias de greve climática, sobretudo quando um artigo da revista "Science" publicado esta semana nos assusta ao prever uma dolorosa extinção em massa das espécies nos oceanos.
Joana Almeida Silva#lençosO valor das rendas que se paga em Portugal está pouco ajustado à realidade do orçamento das famílias e dos salários mínimo e médio que auferem os trabalhadores.
Joana Almeida Silva#ruandaNos momentos decisivos revelam-se as linhas de pensamento de um Governo ou de um povo.
Joana Almeida Silva#fogueirasTemo que o prolongar da guerra faça amenizar ou até alterar as posições de fraternidade tão amplamente manifestadas nestes mais de 40 dias de extrema violência. Aqui e ali, vou ouvindo comentários que antecipam essas mudanças perigosas. Quando a Segurança Social anunciou a criação de mais lugares nas creches para refugiados ucranianos houve quem se erguesse contra a medida, criticando a inesperada elasticidade governativa por ser "discriminatória" para com os portugueses ou outros refugiados. O mesmo ouvi ontem sobre os médicos ucranianos que vão "passar à frente" de outros refugiados na luta para entrar no SNS. São formulações de análise demasiado simplista, pouco rigorosa e ao estilo bitaite. O perigo é que é dessa lenha bitaiteira que se alimentam as fogueiras do populismo e algumas faúlhas ameaçam começar a cair aqui e ali.
Joana Almeida Silva#cúmplices?Há sempre alguém com um telemóvel pronto a filmar, seja o que for, a filmar-nos de onde menos esperamos.
Joana Almeida Silva#Cro-MagnonO discurso do almirante Gouveia e Melo serve para fuzileiros e para todos os outros, militares e civis. As palavras do chefe do Estado-Maior da Armada são de um pacifista. "Quando vejo alguém a pontapear um ser caído no chão, vejo um inimigo de todos nós, os seres decentes (...) vejo acima de tudo um verdadeiro covarde". É neste pensamento que me revejo e, como leiga, exijo pena máxima para todos os que assassinem alguém à pancada, porque os bárbaros não podem ter atenuantes, muito menos quando sabem que o poder que têm pode ser fatal. A morte do agente da PSP em Lisboa causa tristeza e muita indignação. É chocante a ideia de que alguém pode tirar a vida a outro ser por motivos tão frívolos. Queria acreditar que tínhamos evoluído desde os Cro-Magnon - nome usado na minha terra para insultar quem vive ainda nas cavernas.
Joana Almeida Silva#paiQuando chove, o meu pai telefona-me para redobrar os cuidados ao volante, liga-me para saber como correu o dia, ou a dizer que comprou "peixe muito fresquinho" para o jantar, porque dois dias sem nos vermos são uma eternidade.
Joana Almeida Silva#transportesSou uma otimista e acredito que o lado bom destes tempos é o de criar maior interesse pelos transportes públicos, que por motivos ambientais, e até políticos - a independência energética é uma quimera - sempre serão a melhor opção.
Joana Almeida Silva#angústiaComo não acordar angustiada se a guerra me entra pelos olhos ao minuto com imagens tão tenebrosas como as que o fotógrafo da France-Presse Mstyslav Chernov me mostra no Twitter do hospital de Mariupol?
Joana Almeida Silva#diasnegrosEstava a conduzir, o meu miúdo no banco de trás, a sorrir, e a rádio fazia soar as notícias mais recentes da guerra na Ucrânia. O menino da Ana fez um ano na quinta-feira e comentamos quanto nos entristece ainda mais ver tudo isto, agora que vivemos no futuro, projetado nos pequenos passos do crescimento. Um futuro que não será possível para as vítimas dos bombardeamentos. É esta a dimensão que mais importa. Nos vídeos partilhados online, há histórias de famílias que nunca mais vão celebrar um aniversário, nunca mais vão voltar a casa, porque a que tinham foi pelos ares. Os ucranianos vão ser deixados a lutar e a morrer sozinhos porque nenhuma força externa se atreve a desafiar o colosso militar russo, apoiado pela China, mas há uma obrigação de solidariedade com a nova vaga de refugiados criada pelos terrores de Leste.
Joana Almeida Silva#mulheresA notícia de que Maria João Carioca é a primeira mulher a ocupar o cargo de responsável da administração pela parte financeira de um banco nacional, neste caso a Caixa Geral de Depósitos, parece meio retro e diz muito da sociedade, contudo, não vejo qual é o problema de se partilhar a boa nova até à exaustão, quanto mais não seja para inspirar quem possa achar que o género é condicionante seja do que for.
Joana Almeida Silva#piratasTenho imaginado estes piratas online como elefantes a esmagar formigas, e sinto-me uma, com a diferença de que não lhes sinto o cheiro, nem lhes vejo a sombra antes de ser arrasada, nem sequer sei por quais ideais se movem ou o que desejam.
Joana Almeida Silva#hermanosQuando na terça-feira, em Espanha, as máscaras deixarem de ser obrigatórias no exterior, nem imagino o desassossego e o júbilo. Nem todos vão encarar o dia da mesma forma.
Joana Almeida Silva#habitaçãoEsta semana, quando publicamos uma reportagem sobre haver cada vez mais pessoas a viver em parques de campismo, passei o dia a cantarolar a "Liberdade", de Sérgio Godinho - em pensamento quase sempre, quando saí do trabalho em murmúrio.
Joana Almeida Silva#filtrosA Sara contou-me que regressava de metro para casa quando se apercebeu de uma senhora idosa que precisava de um lugar.
Joana Almeida Silva#aquibemHoje, sentei-me no meio da serra Amarela e quase consegui ouvir o bater do meu coração. Num lugar idílico, de lobos, sem os ver, perdi-me na beleza de um país que se consegue percorrer de lés a lés num dia e onde algumas almas lutam para o preservar tão intacto quanto possível. Há outros que o usam apenas para promover o lucro, aumentar a receita municipal através de projetos de turismo em massa, em áreas onde a existência animal deveria ser exclusiva. Pior ainda estamos quando caçadores furtivos usam da fraca capacidade de fiscalizar quilómetros e quilómetros de serra para servir cabeças de animais na sala de jantar. A impunidade é enorme porque não há flagrante delito, nem testemunhas, muitas vezes, apenas e só, corpos decepados. E assim se estraga a pintura de um país que tem na Natureza um tesouro inestimável.
Joana Almeida Silva#NovakQuando a Austrália diz que "regras são regras" para explicar a detenção do tenista Novak Djokovic esquece-se de explicar que nem todos dormem sob o mesmo teto o mesmo tempo.