Pedro Ivo CarvalhoPela sua saúde, fique em casaAo ouvirmos determinadas coisas da boca de alguns agentes políticos ficamos com aquela sensação de torpor típica dos domingos à tarde, em que comemos um pouco mais e acabamos por ficar menos reativos. A semana que passou foi pródiga em momentos anestesiantes e inconsequentes. Começámos por ouvir a ministra da Saúde (há quatro anos no cargo) a anunciar, com pompa, uma comissão para acompanhar a resposta das urgências de ginecologia e obstetrícia, a abertura a acordos com os setores privado e social (depois da asneirada com o fim das PPP hospitalares) e a revisão da remuneração médica em serviço de urgência. Marta Temido dirigiu-se ao país com solenidade, como se tudo fosse uma enorme surpresa, como se não houvesse, há anos, suficientes sinais sonoros da longa degradação do Serviço Nacional de Saúde. Depois, entrou em cena António Costa, primeiro-ministro de um Governo absoluto que já parece cansado ao fim de três meses de vida. Para segurar a ministra no cargo, mas sobretudo para reconhecer que não considera "aceitáveis estas falhas de serviço". O plateau das evidências foi posteriormente tomado pelo presidente da República, que se manifestou agradado pelo facto de o primeiro-ministro ter reconhecido que "há problemas estruturais, graves, situações inaceitáveis" na Saúde. Porque, acrescentou Marcelo, "o povo vive de uma maneira e os que estão com maiores responsabilidades políticas não veem essa realidade toda".
Pedro Ivo CarvalhoNão matem a galinhaO que podia correr bem está a correr muito bem e o que podia correr mal está a correr muito mal. Comecemos pelas boas notícias: o mercado do turismo pós-pandemia comprovou o que se esperava e a tremenda fome de viajar de todos quantos ficaram dois anos agrilhoados a uma doença também está a beneficiar Portugal, a tal ponto que as viagens e as dormidas nos primeiros quatro meses do ano já nos colocam praticamente ao nível de 2019. Mas depois os turistas chegam ao Aeroporto de Lisboa e estão três horas para cumprir burocracias, em condições degradantes que projetam a pior imagem possível de um país que quer atrair visitantes e gerar valor económico.
Pedro Ivo CarvalhoMarcelo (também) é o povoNão foi a primeira vez - nem será certamente a última - que Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou uma data redonda para exaltar a fibra do povo português. Fá-lo, de resto, com uma naturalidade e recorrência tais que, por vezes, se torna entediante receber tantos elogios e perceber que, em demasiadas dimensões, Portugal não tem evoluído à mesma velocidade dos predicados com que o presidente adoça os ouvidos da nação. Mas o contexto político deste 10 de Junho obriga a que olhemos para as palavras do chefe do Estado com outro alcance. Ao dizer Portugal é o seu povo, ao enfatizar que foi a "arraia-miúda" que nos alcandorou à condição coletiva em que nos encontramos, Marcelo também está a dizer "o meu poder emana do povo" (o presidente é o único titular de um cargo político eleito por voto direto) e é a ele que devo lealdade e compromisso, independentemente das circunstâncias. Eu (também) sou o povo, simplificando o recado presidencial.
Pedro Ivo Carvalho100 dias no nosso bolsoO balanço geopolítico da guerra na Ucrânia é o que menos importa, agora que passaram 100 dias do mais violento ataque, em décadas, às ideias de paz, democracia e direitos humanos na Europa. A tragédia humanitária e social que atingiu milhões de cidadãos ucranianos indefesos não se pode comparar, em cicatrizes e sofrimento, com mais nada, e essa deve ser sempre a nossa bússola moral no entendimento que façamos do pós-conflito. Mas esta nova ordem mundial encerra outras privações na vida de quem está demasiado longe dos mísseis mas demasiado perto das balas económicas perdidas.
Pedro Ivo CarvalhoTAP: a verdade não dói nadaQuero prestar a minha pública homenagem ao presidente do Turismo de Portugal, Luís Araújo, por ter tido a honestidade intelectual para verbalizar o sentimento que há anos invade os corações de todos aqueles que não acreditam (nunca acreditaram) na estratégia de sobrevivência da TAP, por um lado, e na sua pretensa missão de servir todas as regiões, por outro. Não estamos habituados a tanta franqueza num país que vive de protocolos e aparências.
Pedro Ivo CarvalhoOs "doentes" da raspadinhaNuma louvável e oportuna iniciativa, o Conselho Económico e Social, em parceria com os investigadores da Universidade do Minho Pedro Morgado e Luís Aguiar-Conraria, decidiu deitar no divã os portugueses viciados na raspadinha. O estudo, inédito, tem como missão aprofundar o conhecimento científico sobre uma maleita que grassa, há anos, na sociedade portuguesa.
Pedro Ivo CarvalhoA redenção no caso RendeiroA morte de João Rendeiro na cela de uma prisão sul-africana simboliza não apenas uma tragédia pessoal e familiar, mas também a imagem irrecuperável de um falhanço na aplicação da justiça portuguesa. Mais um, na verdade, num caso que a classe política e a magistratura quiseram elevar, sem ponta de êxito, à condição de exemplo.
Pedro Ivo CarvalhoA charada dos combustíveisQual é a coisa, qual é ela, que sempre que baixa de preço aumenta de preço? Se respondeu combustíveis, está coberto de razão. E isso é revelador não apenas da sua enorme perspicácia, caro leitor, mas também da forma mecanizada como nos habituamos a acolher esta prática comercial com a passividade de quem é forçado a comer e calar. Que é como quem diz, encher o depósito e pagar.
Pedro Ivo CarvalhoA decência da Igreja CatólicaA atitude da Igreja Católica portuguesa relativamente à investigação das queixas de abusos sexuais de menores perpetrados por elementos do clero não difere, no essencial, do que temos visto das suas congéneres um pouco por todo o Mundo.
Pedro Ivo CarvalhoA supercola do regime Costa-elogia-Marcelo-e-Marcelo-elogia-Costa foi uma das mais entoadas cantilenas políticas da passada legislatura.
Pedro Ivo CarvalhoE se Putin invadir Paris?Quarenta e poucos dias após o início de um impensável conflito militar em solo europeu, há uma nova nuvem negra a pairar sobre o Velho Continente.
Pedro Ivo CarvalhoOs autarcas que apaguem a luzA prenda era tão, mas tão generosa, que os autarcas cedo duvidaram do maravilhoso mundo de competências que o Estado central lhes estava a prometer, a expensas de uma regionalização encapotada.
Pedro Ivo Carvalho60 euros do que somosOs números são conhecidos: cerca de 1,6 milhões de portugueses (aproximadamente 10% da população, portanto) vivem abaixo do limiar da pobreza, que é o mesmo que dizer que dois em cada cinco agregados familiares enfrentam o mês com cerca de 833 euros.
Pedro Ivo CarvalhoSejam muito bem-vindosNão é fácil distinguir clarões de luz por entre as trevas da guerra, especialmente quando o palco que se pretende iluminar é uma Europa que está, de novo, a enfrentar uma prova de esforço para a qual não estava preparada. Mas essa luz existe e vemo-la espraiada na generosidade das nações e dos cidadãos que, de um dia para o outro, nos fizeram esquecer que este era, não há muito tempo, o continente que segregava refugiados pela sua proveniência, patrocinando uma mercearia diplomática demasiadas vezes paga em vidas humanas. A forma como essa evolução aconteceu, em países como a Polónia, a Hungria e a Grécia, que fizeram vista grossa a sírios e iraquianos, é merecedora de elogio.
Pedro Ivo CarvalhoEconomia de pós-guerraFoi num gigantesco espelho chamado realidade que a União Europeia viu refletidas as suas fragilidades.
Pedro Ivo CarvalhoO pior está para vir1. Lemos a profecia de Emmanuel Macron, pouco depois de o presidente francês ter estado uma hora e meia ao telefone com Vladimir Putin, e tomámo-la como apocalítica.
Pedro Ivo CarvalhoSozinhos em casaEsqueçamos por um momento a arquitetura geopolítica e as leis internacionais. E constatemos o óbvio: é desconcertante que a Europa, os Estados Unidos da América, o mundo ocidental, democrático e desenvolvido, nada tenha podido fazer para evitar a desumana invasão russa da Ucrânia.
Pedro Ivo CarvalhoCom Putin, temer o piorO que vai na cabeça de Vladimir Putin? Não sabemos. A resposta é evasiva, mas é a possível. A guerra de propaganda entre Moscovo e Kiev, a que desde dezembro temos vindo a assistir, está pendurada nesta dúvida do tamanho do Mundo. Pode acontecer tudo e pode não acontecer nada.
Pedro Ivo CarvalhoDemocracia para o lixoNão há outra forma de qualificar o episódio que manchou as mais recentes eleições legislativas: triste, demasiado triste. Graças a um acordo de cavalheiros não cumprido entre PSD e PS, com o alto patrocínio da Comissão Nacional de Eleições, foram deitados ao lixo 157 mil votos de emigrantes. Um desfecho vergonhoso, desrespeitador da vontade popular de milhares de portugueses que, mesmo à distância, não se furtaram a pronunciar-se sobre o futuro político do país; e revelador de uma tremenda falta de sentido de Estado dos intervenientes.
Pedro Ivo CarvalhoEsquerda, Direita, volverEsquerda. PCP e BE não vão recuperar tão cedo do atordoamento eleitoral pós-maioria absoluta. Porque continuam a tentar sarar feridas autoinfligidas com uma narrativa trôpega: a de que foi o PS que lhes roubou eleitorado (não era suposto?), ao enfatizar um cenário de bipolarização. Evitando reconhecer que foram eles que se espalharam ao comprido quando decidiram chumbar o Orçamento do Estado, ao bater insistentamente no peito ideológico e rasgando as vestes por convicções inegociáveis cuja justeza nem mesmo os seus eleitores reconheceram na hora de se mudarem para o regaço cor de rosa. Passada a fase da catarse interna, há que definir uma de duas estratégias: adotar a rua como palco privilegiado para o combate a uma maioria absoluta que vai navegar na bonança da libertação pandémica e dos milhões da bazuca europeia; ou reforçar no Parlamento a sua relevância na balança partidária, com tenacidade e espírito crítico, esperando que, em outubro de 2026, e cumprindo-se a mais longa legislatura da democracia, ainda ninguém se tenha esquecido de como se escreve a palavra geringonça. Que é como quem diz alternativa.
Pedro Ivo CarvalhoVamos votar, depois vê-seIndependentemente da geometria política, talvez a mais variável dos atos eleitorais dos últimos anos, há um valor inesgotável e intrínseco a todas as chamadas às urnas: o de podermos exercer aquele que é, simultaneamente, um direito e um dever.
Pedro Ivo CarvalhoOutra vez carne assada?2465 euros por minuto é muito ou pouco? E se dissermos antes 41 euros por segundo, parece mais? Mas descanse o leitor: não vamos alongar-nos sobre o salário de nenhum jogador de futebol ou de alguma estrela planetária do Instagram. 2465 euros por minuto é o valor que o Estado português vai despender em tempos de antena para as eleições legislativas.
Pedro Ivo CarvalhoA ressaca do número 10As notícias que, por estes dias, vamos lendo sobre o emaranhado de mentiras, desculpas esfarrapadas e provas avulsas de desfaçatez do Governo britânico a propósito da organização de festas em Downing Street em períodos de fortes restrições pandémicas vão parecendo mais resquícios criativos da série "The Crown" do que episódios inspirados em factos reais. Mas, no Reino Unido, a verdade é como as garrafas vazias das festas covid: aparece sempre no final.
Pedro Ivo CarvalhoDebate e fogeOs mais saudosos recorrem à RTP Memória para enfatizar os méritos patrióticos dos longos e entusiasmantes debates políticos do passado quando comparados com os lestos 25 minutos dos debates de hoje. O tempo é, porém, outro.
Pedro Ivo CarvalhoA pobreza é um lugar frioA pobreza tem muitas faces. Demasiadas demonstrações. A pobreza pode ser um pormenor, um regresso constante a uma fatalidade que passa de avós para pais, destes para os filhos. A pobreza pode ser económica, social, cultural. A pobreza pode ser energética.